CARPE DIEM

"Aproveite o momento" ; "Colha o dia " . "Aproveitar a vida e não ficar apenas pensando no futuro." SEJA BEM VINDO!!!

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

BEM ASSIM ...




Amanheci hoje assim  : ah,  vontade de sumir ,
O primeiro balde , chutar,  seguir em frente ...
Quem sabe encontrar  alguém pra interagir
Revirar a vida , sem esbarrar em contraparente!

Seguir sem rumo
À luz da lua ...
Vai que  me arrumo
Ou me desarrumo

Meio mundo da lua !
Caminho pela estrada nua ...

Se me dá na telha
Eis-me a centelha
Eu não ligo pois grito feliz !
E no quadro negro, um verso ainda eu escrevo a giz.

(Cícero Aarão) 


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

A PRIMAVERA DE DUAS FLORES




Uma revoada de pássaros ecoa por todos os cantos da cidade . São as primeiras horas da manhã, festivas . Semelhante a uma orquestra sinfônica , sob a batuta do maestro, os tons, harmônicos e uníssonos soam de modo perfeito. E tanto uma quanto outra trazem consigo o canto das flores , as mais longínquas, com toda sua graça, além do horizonte onde o olhar humano é incapaz de alcança-lo , mas sentí-lo.  E o sentimento chega a quem se dispõe.  De modo paulatino, às vezes, sorrateiro, se aloja em cada ser .  E um desabrochar de sentimentos aflora da alma .

                É primavera ! Já desponta muito além das montanhas . Uma primavera ainda movida a ventos frios , onde sobre a cama , repousa ainda  o cobertor . São os ventos do sul, vindos com as ondas do mar, ou  de outras bandas, talvez de matas e pastagens  de outras regiões da  América do Sul . 

As ruas encontram-se, ainda , sozinhas , recebendo , contudo, as pisadas dos primeiros transeuntes que caminham à procura  de alguma panificadora  ou mesmo um bar de esquina , onde se possa assentar por alguns minutos , degustar um chimarrão,  um simples café e  vislumbrar a paisagem à sua volta, abrandando  o frio que teima em cortar a delicadeza  dos lábios .

                Pouco a pouco as janelas das casas , com jardineiras no parapeito, se abrem.  A porta da igreja principal da cidade  e o padre , na entrada , de mãos elevadas aos céus, a abençoar a todos que passam , perto ou longe ,  faz  uma prece ao Deus altíssimo,  clamando por paz . Uma contrição breve e um sorriso largo, a contrastar com a batina . Um Deus te abençoe aqui outro acolá  e a sensação do dever cumprido .

                As crianças ainda dormem. Depois da noite na praça com seus cavalinhos de pau e travessuras sem fim . Escorregas, balanços e gangorras, agora , permanecem à espera de outro infante. Enquanto isso,  os brinquedos,  sem meninos e meninas, recebem apenas a visita do orvalho e das folhas coloridas que se achegam, trazidas pelo vento manso , rolando  pela terra, alojando-se ao pé de um banco, aguardando quem deseje se acomodar e se habilite a respirar  os ares frescos da manhã, admirando a paisagem .

                Um pouco afastado da alegria juvenil ,  dos velhos que caminham com suas bengalas e suas dificuldades, trazendo à memória um tempo que ficou,  na outra esquina, do  outro lado da cidade, nos becos , ruelas e bares de bilhar , homens bêbados e largados , de camisas entreabertas , se esqueceram de si e se deixaram entregar  à vida de qualquer jeito , estendidos nos meios fios das calçadas, ignorando completamente os que por ali passam . O guarda noturno, o caminhão da limpeza urbana a recolher os lixos ...Mais um dia desponta e consigo a primavera e o colorido das flores . Entre uma esquina e outra, onde se vê os poucos malandros da cidade de passos e gingas ,  do outro lado da calçada, as raparigas dão o ar da graça, estendendo pequenas peças de roupas no varal da velha casa , onde ganham a vida durante a noite , em meio a conversas de roda assentadas nos colos dos marmanjos vindos, principalmente,  de cidades vizinhas que alimentam  promessas e esperanças de outra vida além dos cabarés.

                A pequena cidade amanhece  e tem semelhanças  às metrópoles. Características de ambas se aproximam, eis que  a única diferença diz respeito ao espaço geográfico. O lado bom e mau do lugar, que se encontra em qualquer canto do planeta, se cumprimentam , se encontram e se  desencontram .









                No meio de tanta gente, Glória é uma dessas ilustres moradoras,  . Possui um negócio há alguns anos que a mantém financeiramente . Trabalha com hospedagem  e devido ao seu carisma e sentimento de solicitudes doces , une , de forma natural trabalho e lazer . Transforma com sabedoria o trabalho num prazer , distanciando-o, portanto,  da tarefa massante que poderia lhe causar .


            Antes mesmo dos primeiros visíveis movimentos de vida da cidade , Glória já está de pé para mais um dia . Todo dia é um desafio . Muitas vezes , após o pôr do sol , o dia, para ela , ainda não findou . Porém, quando esse momento chega, sente-se recompensada  e, merecidamente, recolhe-se ao sofá próximo da lareira , com meia taça de vinho tinto à mão e queijo branco sobre a mesa de centro. Com olhar fixo nas labaredas , pensa na vida que foi e no que há de vir . Anseia por surpresas , e boas, de preferência . Embora munida de uma ansiedade , talvez repentina, contem-se . Repousa a taça na mesa ao lado , se acomodando  no sofá  e, por fim,  adormece .


                No meio da noite , quando Glória , finalmente acorda, se dá conta de que ainda se encontra no sofá da sala . Olha à sua volta , senta-se, respira fundo e após um breve deslize nos cabelos , levanta-se para ir para o quarto . Antes de se deitar novamente, assentada na beirada da cama , tem um reencontro com a solidão . Apesar da cama de casal onde repousa seus sonhos e angústias, não desfruta de boa companhia faz alguns anos .  Glória é uma mulher só . Não lamenta a ausência física de um homem , mas , decerto , a falta do amor que esse possa lhe proporcionar  na vida . Algo que a torne completa . O amor que possa existir entre um homem e uma mulher .

Essa solidão, aparentemente habitual, começa a incomodar Glória . A sensação de desamparo, se dá, certamente,  em virtude da idade, que, como os anos , avança sem nos fazer convite .

                Mas numa manhã dessas, entre indas e vindas de afazeres no condomínio onde reside , teve a oportunidade de conhecer uma mulher de idade além da sua , que, no encontro, provocou uma conversa . Entre um assunto e outro, não perceberam as horas , a não ser a intimidade que já possuíam entre si .  Deram-se, pois , as mãos e, desse modo, caminharam alguns minutos aos arredores do condomínio; o tempo necessário a ambas . O instante  que a a vida lhes reservou para se confortarem .  Depois de algumas horas, agora à porta do apartamento de Bella , a nova amiga , trocaram carícias e cumprimentos e, antes de se despedirem, combinaram um novo encontro .

                Bella e Glória. Cada qual com suas histórias, desenganos, paixões e saudades . Apesar de morarem alguns anos no mesmo lugar, bem próximas , nunca haviam se encontrado. Nem mesmo brevemente com um aceno ao longe , um bom dia , um boa tarde ... Misteriosamente esse encontra jamais se deu, a não ser naquela manhã de tantos afazeres e rotina que causava à Glória outra coisa senão melancolia e um profundo desapego da vida .  O semblante abatido não escondia a insatisfação e a falta de ânimo para as coisas mais simples. Mas aquele dia fora diferente ! E não somente para Glória, mas para Bella também,  eis que essa , de anos mais à frente daquela, se sentia mais infeliz , desmotivada . Viúva , com a visão prejudicada em face de um problema adquirido após alguns anos , limitando-a ao que mais gostava de fazer durante seu estado de solidão, a leitura , encontrou na nova amiga uma centelha de esperança , de vida .

                Glória trazia consigo alguns descontentamentos na seara do amor . Colhera, ao longo do caminho , paixões, amores secretos ...Mas, sobretudo , desilusões . O pensamento cético em relação aos homens, estava intimamente ligado a sua incredulidade no amor . Custava-lhe acreditar nesse sentimento, eis que , escrava desse mesmo sentimento o qual não se desvencilhava de modo algum, tornava-se uma mulher fria , sem vida .






                Mas agora tudo parecia diferente . Como uma fagulha , ao fundo da lenha , na lareira , despertara para a vida .  Da mesma maneira , a fagulha que se transformara em chama , batia à porta de Bella , lhe proporcionando o calor da vida . A vida que até então era fria , como a manhã daquele dia , antes da  chegada de Glória .

                Era a primavera de vento frio , de flores espalhadas por todos os cantos aflorando as almas de toda gente .


                Glória e Bella , assim como as flores em derredor , enfeitavam a si mesmas , regavam-se , renovavam-se , fossem ramalhetes ou ramos ; pétalas de rosa ; azaléias , violetas ; margaridas ... , flores do campo !

                Aquela primavera, tinha o frescor próprio , diferente de todas as outras primaveras . No meio de inúmeras flores , a primavera , singular em sua delicadeza,  era , agora,  de duas flores . Duas flores que se destacavam no centro de todas as demais . A primavera de duas flores  aflorava Glória e Bella .

(Cícero Aarão)