CARPE DIEM

"Aproveite o momento" ; "Colha o dia " . "Aproveitar a vida e não ficar apenas pensando no futuro." SEJA BEM VINDO!!!

sexta-feira, 22 de maio de 2020

UMA TAÇA DE VINHO




“Os últimos anos, aquela mulher, não tinha outra alternativa, senão  recorrer  à taça de vinho tinto. Além dos ressentimentos que levava consigo nesse momento único, recostada à beira da cama , tendo a velha garrafa de vinho sobre a cabeceira, guardava dentro de si uma mágoa profunda pela falta de reconhecimento, ao longo do tempo,  do homem que era seu companheiro.  Um companheiro sem o brilho de antes. Uma companhia que se limitava tão somente  à presença física na casa. Não havia mais diálogo entre ambos . O único diálogo existente para aquela mulher , agora , era a taça de cristal e seu velho tinto .  Antes, porém,  de sentar-se, desejosa de saborear a bebida , ouvia os últimos passos do homem com o qual conviveu que, embora vivesse ali, a poucos metros do seu quarto – estavam separados de corpos – remetia à sua mente as poucas boas  lembranças de uma   convivência de anos que deixou, lamentavelmente,  prevalecer desilusões e uma infinidade de brigas .
Aquela mulher não nutria mais prazer em quase nada na vida . A taça com seu vinho tinto era, a partir de então,  o seu maior prazer . Duas taças seguidas eram o suficiente para desfrutar desse instante que julgava ser sublime  e não seria capaz de trocá-lo por nenhum outro.  Era o encontro consigo mesma . Um encontro com a própria alma , de forma indescritível, onde entre um gole e outro , deixava ecoar baixinho uma gostosa gargalhada. Ria de si mesma, ria da vida que levava até ali, mas sentia-se , por um momento, talvez, feliz, muito feliz .”

(Cícero Aarão)                                             



UM SUSTO




“A morte anda passando aqui por perto de algumas pessoas. Com algumas, deu apenas um leve sorriso, levando-as , em seguida, para bem longe. Com outras, ah, com outras julgou não merecerem a sua doce companhia, dando-lhes apenas um susto, deixando-as adormecidas por um tempo. E o tempo foi sempre.
Por causa do grande susto, os que permaneceram aqui, quando acordaram, acreditaram ter sido somente um desses pesadelos que nos atormentam a mente ao longo de um bom período, nos atiçando o prazer de compartilhá-lo com outrem."

(Cícero Aarão)

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O ENCONTRO




“Eu já tive um encontro com o abismo
E nesse encontro, estávamos no fim da linha .
Nós nos estreolhávamos  fixamente
E passamos um longo tempo pensando em muitas coisas.
Ocorre, entretanto, que, depois de muito refletir,
O abismo se afastou de mim e eu dele .
Foi uma luta que parecia infindável.
Mas ficamos distantes um do outro.

De vez em quando, passo perto do lugar do nosso encontro.
Porém, mantemos distanciamento;
Ele lá e eu cá. “

(Cícero Aarão)

SESTRAS




“Eu me  debruço nas letras
E dispenso as mutretas
Faço, às vezes, versos sem rimas
Mas ao estilo de esgrimas,
vêm as métricas e  dançam as letras.

Quanto a mim, na roda  vou e entro
Com meu jeito de corpo ,
Com olhar de soslaio
No meu ritmo,  minha  ginga,  
No meu pisar forte minhas sestras.”

(Cícero Aarão)

terça-feira, 12 de maio de 2020

GOSTOS




"Gosto desse teu jeito de deixar os cabelos lisos e longos sobre teus ombros, sutilmente. Um olhar de soslaio, um sorriso que aflora a graça contida em alma . Eis-me teu sorriso e a candura da noite ."                             

(Cícero Aarão)

sábado, 9 de maio de 2020

VOA, BORBOLETA !




"Em minhas andanças por aí, me deparei com uma simples borboleta. O bater leve de suas asas me trouxe o frescor das manhãs de regiões distantes de onde me encontrava. Aproveitei esse instante sublime de puro encantamento, para deixar sobre as plantas e flores espalhadas pelo Jardim o néctar de toda minha ansiedade e angústia. E, pacientemente, não fiz outra coisa senão contemplar minha querida borboleta.
Ah, minha doce borboleta! Todos os dias, às primeiras horas de uma manhã silenciosa, recebo sua visita. Quieto, no meu canto, aguardo o momento quando colhe o néctar ali deixado por mim. Deixo-a realizar o seu trabalho e as gotas do orvalho derramadas sobre mim, me alimentam de gotículas de esperança.
Voa, borboleta, voa! Leva sobre suas asas o frescor dos ventos da paz a outros campos.
Voa, borboleta! Mas deixa, sem descaso, um sopro de saudade em mim."



(Cícero Aarão)

domingo, 3 de maio de 2020

OS ASTROS





                  As últimas semanas, as noites, além de tranquilas, proporcionavam-lhe um frescor peculiar jamais sentido antes. Não era de seu hábito se recolher cedo, mas, devido a um cansaço, talvez, inesperado, após degustar um leite quente , composto de canela em pó, tendo como acompanhamento um pão torrado, na manteiga, resolveu ir para o quarto e se deitar . Deitou-se, ficando apenas à espera do sono que dava indícios de sua chegada, aos poucos, sem demora .

                        Não tardou muito, o dia amanheceu com promessas de chuva . As nuvens, avistadas por ele de uma das janelas de seu quarto, surgiam carregadas. Sentado,  ainda à beirada da cama, agradeceu pelo dia que lhe era concedido e após seu momento particular, quando tinha oportunidade de se cuidar de forma silenciosa, rumou para a cozinha para preparar o café daquela manhã cinzenta.  Ligou a tv, posicionada acima da geladeira, em volume baixo, somente para não se sentir demasiadamente sozinho . Embora isso o incomodasse de vez em quando, vinha se acostumando dia a dia com a solidão e muitas vezes, chegava a pensar que preferia que se desse assim . Afinal, não ter ao seu lado quem o importunasse fosse noite ou dia,  era um alívio do qual não queria, de modo algum, se desvencilhar, nem por decreto.

                        Enquanto passava o café na cafeteira e o pequeno pedaço de pão recebia o calor da sanduicheira, sentou-se à mesa para fazer a leitura matinal do jornal eletrônico, na internet , hábito do qual não abria mão , por considera-lo uma obrigação imprescindível.  A página carregava lentamente . O notebook passara a ser sua companhia diária e, por isso, procurava mantê-lo ligado à tomada para que sempre que desejasse, estaria ali, a seu dispor . Tinha paciência de sobra para aguardar o carregamento do site do jornal digital e no instante que aguardava, sempre em silêncio, aproveitava para pegar seu café e pão e, em seguida, de volta ao lugar onde estava o computador, sentar-se à mesa .  Nos últimos meses, criara o costume de ir à sessão dos zodíacos, apesar de não crer muito no universo dos astros. Tinha-os, contudo,  para si, apenas como instrumento de admiração nas suas horas solitárias . Mas deixando a poesia das galáxias que podiam lhe oferecer algum prazer, estava mais interessado naquele momento, em consultar os zodíacos daquela manhã, mais precisamente o signo de aquário .

                        De todos os signos, aquário aguçava um interesse maior para si, afinal, durante boa parte de sua vida, tivera, pelo menos, dois relacionamentos onde as mulheres eram exatamente aquarianas. Cada uma possuía uma forma de ser e pensar, mas certas características contidas em  ambas se assemelhavam .  A última dessas mulheres provocou marcas profundas de sentimentos dos quais não conseguia se desapegar .  A aquariana que mexera com seus sentidos , havia o deixado , tinha alguns meses e, inconformado com o desprezo pelo qual passara, procurava, de todas as formas , encontrar meios que justificassem o fato de ter sido dispensado pela mulher que tanto amou . Por isso, todas as manhãs, durante o café , se davam as consultas  aos signos do zodíaco. Tudo acontecia de modo meticuloso . Fazia um bom tempo que estudava a personalidade da aquariana que, há pouco mais de um ano ou dois , o motivava a viver , a ter brilhos nos olhos . E a consulta aos horóscopos, agora, era um de seus maiores pretextos para desvendar os mistérios que envolviam a mulher com a qual se envolveu .

Algumas das características encontradas no signo, durante sua consulta, associavam-se realmente àquela mulher . Outras, porém, nem tanto. Mas, mesmo assim, a pesquisa que passou a fazer parte da sua vida, o fascinava tremendamente. O fascínio inicial pela aquariana que casusou um rebuliço no seu coração era o jeito carinhoso e bem humorado , assim como a boa educação , qualidades próprias jamais observada por ele em outra. Os dois predicativos atribuídos àquela mulher eram suficientes para se apaixonar. Mas, além desses, o que chamava sua atenção era também a originalidade que ela trazia consigo . Assim como descrito no zodíaco, a aquariana por quem se encantara um dia, olhava o mundo de uma maneira bem diferente e expressava, sempre que lhe era dada oportunidade para isso com a coragem que as demais não tinham, mesmo porque não se importava com o que os outros pudessem dizer a seu respeito. Essa era uma qualidade que determinava a personalidade de “sua” aquariana, fazendo com que se tornasse mais atraente do que já era . E  quando ele se referia à beleza de sua amada, não se restringia ao físico que ostentava, mas a beleza interior, da alma, que aflorava naturalmente, tornando-a mais bela exteriormente. Disso ele está seguro.

Assim eram suas manhãs. Embora tivesse certeza de que não teria mais aquela mulher ao seu lado, não dispensava de forma alguma as leituras matinais do zodíaco. Ao fazê-las, era o modo que encontrava de tê-la mais perto, de tê-la diante de si, tamanha força que criava da imagem da mulher que tanto amava. 

(Cícero Aarão)