CARPE DIEM

"Aproveite o momento" ; "Colha o dia " . "Aproveitar a vida e não ficar apenas pensando no futuro." SEJA BEM VINDO!!!

sexta-feira, 2 de novembro de 2018


- CONVERSA MÓRBIDA –

Dois amigos caminhavam , sendo que um deles acompanhava o outro , religiosamente, todos os anos . Era sexta feira nublada, dia de finados .

- Pois é, amigo , você sabe muito bem que estou aqui pela nossa velha amizade e amigo de verdade é amigo em todas as horas .

Surpreso, de certa forma com a revelação logo nas primeiras horas da manhã, o amigo ouvindo a confidência de seu companheiro , interrompeu a caminhada , repousando as mãos sobre ambos os braços e olhando-o fixamente, disse-lhe :

- Obrigado , meu querido amigo , sabia que podia contar com você , obrigado .

Após breves revelações mútuas , sem que deixassem os sentimentos aflorarem completamente, contiveram-se e prosseguiram na caminhada , lado a lado, quando o primeiro , o que dera início àquela conversa, esclareceu:

- É , mas fique sabendo o amigo que estou fazendo isso pela nossa velha amizade , nada mais que isso, mesmo porque não acredito nessas coisas .

- Tudo bem , tudo bem ! – disse o outro –

E continuaram a caminhar , agora , silenciosamente .

Após uma boa hora de caminhada, aquele que cumpria seu voto , sobretudo em prol de seus entes queridos , disse que , embora fosse morador do Rio de Janeiro há alguns anos , por se ausentar por outros tantos anos , não reconhecia o lugar por onde andavam, decerto , por causa das últimas mudanças na cidade e, por isso , não se lembrava de jeito algum da localização do cemitério a que se propunha estar naquela manhã .

O companheiro notando a inquietação do amigo , perguntou o que estava acontecendo , o que tanto o afligia naquele momento .

- Não consigo me lembrar onde fica o cemitério , que droga !

- Não seja por isso , pergunte ao rapazinho ali da frente , ele deve saber !

O rapazinho estava sentado à beira da calçada, às vezes olhando para o nado , em outros instantes, a mexer no celular que tinha consigo , quando os dois se aproximaram .

- Mocinho , bom dia . Por acaso você sabe me dizer onde fica o cemitério ... – não se lembrava do nome, contudo , não foi necessário , pois , mesmo o rapaz não voltando os olhos para os dois , devido sua compenetração no celular, respondeu-lhes meio que de má vontade : Ah, fica mais um pouco na frente ! Acabou de passar um pessoal aqui levando o caixão de um .....

- Tudo bem , obrigado .

E apressaram o passo , a fim de que não perdessem de vista o cortejo e , por fim , não soubessem, definitivamente, como fazer , até que , conforme o rapaz lhes dissera , o grupo ia um pouco mais à frente , cantarolando bem baixinho, como se fosse uma romaria .

E assim sendo , juntaram-se aos demais , mantendo-se cabisbaixo em respeito .

- Ai, Santo Deus , só você mesmo pra me tirar cedo de casa pra isso ! Onde já se viu isso , até morto tem dia comemorativo ! Ai, ai, ai, ai !!!

- Fica quieto , silêncio !! Olha o respeito !

- Tá bom , tá bom !!!

E continuaram junto com todos , quando de repente começaram a ouvir tiros que em poucos minutos se tornaram intensos .

Sem demora , todos de uma só vez , se jogaram no chão , interrompendo de vez o cortejo , afinal ninguém sabia de onde viam as balas .  Alguns, prontamente , se cobriram com as flores que levavam consigo sobre a cabeça, na tentativa de , quem sabe, se protegeram do infortúnio da hora . Os tiros acenavam para o grupo , bem como toda região como um bom dia ou boas vindas ao local .  Embora fosse dia de finados , seria difícil imaginar que alguém daquele grupo , apesar dos descontentamentos da vida e do dia a dia , desejasse morrer .

Mesmo deitados , aquele que fizera a vontade do velho amigo lembrou de perguntar : mas , a propósito de que o finado que o amigo está se propondo a visitar , morreu ?

- Ah, coitado , estava com uma série de dívidas , não sabia mais o que fazer , além disso , descobriu ter sido traído pela mulher com seu melhor amigo – mas poucos sabem desse pormenor – conclusão , não aguentou e numa manhã como essa, morreu de infarte fulminante .

Não muito perplexo , o que ouvia atentamente , assustado , de olhos esbugalhados e trêmulos disse , ainda com dificuldade de falar , como se estivesse a gaguejar : É, está tudo pela hora da morte !

- Vai passar , vai passar ! Sempre passa ! Isso já virou rotina no Rio de Janeiro ! Dizia o outro de forma otimista.

- Ai, meu Deus , eu sei que tenho pecado , eu sei que tenho reclamado da vida ! E dando início a um choro contido , ainda disse desesperadamente : Eu não quero morrer , não quero , não quero morrer ! Não , não , não !!!

 No meio do desespero , olhou para o companheiro de longa data , mesmo deitado de bruços sobre o asfalto, dando-lhe a mão , confidenciou-lhe de modo sincero : meu perdoa, amigo , me perdoa por tudo !

O outro , recebendo o gesto do amigo , calmo , porém atento , finalizou , lhe dizendo:

- Calma, amigo , calma !!! Ninguém morre antes da hora !!!

( Cícero Aarão )


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