As últimas
semanas, as noites, além de tranquilas, proporcionavam-lhe um frescor peculiar
jamais sentido antes. Não era de seu hábito se recolher cedo, mas, devido a um
cansaço, talvez, inesperado, após degustar um leite quente , composto de canela
em pó, tendo como acompanhamento um pão torrado, na manteiga, resolveu ir para
o quarto e se deitar . Deitou-se, ficando apenas à espera do sono que dava
indícios de sua chegada, aos poucos, sem demora .
Não
tardou muito, o dia amanheceu com promessas de chuva . As nuvens, avistadas por
ele de uma das janelas de seu quarto, surgiam carregadas. Sentado, ainda à beirada da cama, agradeceu pelo dia
que lhe era concedido e após seu momento particular, quando tinha oportunidade
de se cuidar de forma silenciosa, rumou para a cozinha para preparar o café
daquela manhã cinzenta. Ligou a tv,
posicionada acima da geladeira, em volume baixo, somente para não se sentir
demasiadamente sozinho . Embora isso o incomodasse de vez em quando, vinha se
acostumando dia a dia com a solidão e muitas vezes, chegava a pensar que
preferia que se desse assim . Afinal, não ter ao seu lado quem o importunasse
fosse noite ou dia, era um alívio do
qual não queria, de modo algum, se desvencilhar, nem por decreto.
Enquanto passava o café
na cafeteira e o pequeno pedaço de pão recebia o calor da sanduicheira,
sentou-se à mesa para fazer a leitura matinal do jornal eletrônico, na internet
, hábito do qual não abria mão , por considera-lo uma obrigação imprescindível.
A página carregava lentamente . O
notebook passara a ser sua companhia diária e, por isso, procurava mantê-lo
ligado à tomada para que sempre que desejasse, estaria ali, a seu dispor .
Tinha paciência de sobra para aguardar o carregamento do site do jornal digital
e no instante que aguardava, sempre em silêncio, aproveitava para pegar seu
café e pão e, em seguida, de volta ao lugar onde estava o computador, sentar-se
à mesa . Nos últimos meses, criara o
costume de ir à sessão dos zodíacos, apesar de não crer muito no universo dos
astros. Tinha-os, contudo, para si,
apenas como instrumento de admiração nas suas horas solitárias . Mas deixando a
poesia das galáxias que podiam lhe oferecer algum prazer, estava mais
interessado naquele momento, em consultar os zodíacos daquela manhã, mais
precisamente o signo de aquário .
De todos os signos, aquário
aguçava um interesse maior para si, afinal, durante boa parte de sua vida,
tivera, pelo menos, dois relacionamentos onde as mulheres eram exatamente
aquarianas. Cada uma possuía uma forma de ser e pensar, mas certas características
contidas em ambas se assemelhavam . A última dessas mulheres provocou marcas
profundas de sentimentos dos quais não conseguia se desapegar . A aquariana que mexera com seus sentidos ,
havia o deixado , tinha alguns meses e, inconformado com o desprezo pelo qual
passara, procurava, de todas as formas , encontrar meios que justificassem o
fato de ter sido dispensado pela mulher que tanto amou . Por isso, todas as
manhãs, durante o café , se davam as consultas
aos signos do zodíaco. Tudo acontecia de modo meticuloso . Fazia um bom
tempo que estudava a personalidade da aquariana que, há pouco mais de um ano ou
dois , o motivava a viver , a ter brilhos nos olhos . E a consulta aos horóscopos,
agora, era um de seus maiores pretextos para desvendar os mistérios que
envolviam a mulher com a qual se envolveu .
Algumas das características encontradas
no signo, durante sua consulta, associavam-se realmente àquela mulher . Outras,
porém, nem tanto. Mas, mesmo assim, a pesquisa que passou a fazer parte da sua
vida, o fascinava tremendamente. O fascínio inicial pela aquariana que casusou um
rebuliço no seu coração era o jeito carinhoso e bem humorado , assim como a boa
educação , qualidades próprias jamais observada por ele em outra. Os dois
predicativos atribuídos àquela mulher eram suficientes para se apaixonar. Mas,
além desses, o que chamava sua atenção era também a originalidade que ela
trazia consigo . Assim como descrito no zodíaco, a aquariana por quem se
encantara um dia, olhava o mundo de uma maneira bem diferente e expressava,
sempre que lhe era dada oportunidade para isso com a coragem que as demais não
tinham, mesmo porque não se importava com o que os outros pudessem dizer a seu
respeito. Essa era uma qualidade que determinava a personalidade de “sua” aquariana,
fazendo com que se tornasse mais atraente do que já era . E quando ele se referia à beleza de sua amada,
não se restringia ao físico que ostentava, mas a beleza interior, da alma, que
aflorava naturalmente, tornando-a mais bela exteriormente. Disso ele está seguro.
Assim eram suas manhãs. Embora
tivesse certeza de que não teria mais aquela mulher ao seu lado, não dispensava
de forma alguma as leituras matinais do zodíaco. Ao fazê-las, era o modo que
encontrava de tê-la mais perto, de tê-la diante de si, tamanha força que criava
da imagem da mulher que tanto amava.
(Cícero Aarão)