“Os últimos anos, aquela mulher,
não tinha outra alternativa, senão recorrer
à taça de vinho tinto. Além dos
ressentimentos que levava consigo nesse momento único, recostada à beira da
cama , tendo a velha garrafa de vinho sobre a cabeceira, guardava dentro de si
uma mágoa profunda pela falta de reconhecimento, ao longo do tempo, do homem que era seu companheiro. Um companheiro sem o brilho de antes. Uma
companhia que se limitava tão somente à
presença física na casa. Não havia mais diálogo entre ambos . O único diálogo
existente para aquela mulher , agora , era a taça de cristal e seu velho tinto
. Antes, porém, de sentar-se, desejosa de saborear a bebida ,
ouvia os últimos passos do homem com o qual conviveu que, embora vivesse ali, a
poucos metros do seu quarto – estavam separados de corpos – remetia à sua mente
as poucas boas lembranças de uma convivência
de anos que deixou, lamentavelmente, prevalecer
desilusões e uma infinidade de brigas .
Aquela mulher não nutria mais
prazer em quase nada na vida . A taça com seu vinho tinto era, a partir de
então, o seu maior prazer . Duas taças
seguidas eram o suficiente para desfrutar desse instante que julgava ser
sublime e não seria capaz de trocá-lo
por nenhum outro. Era o encontro consigo
mesma . Um encontro com a própria alma , de forma indescritível, onde entre um
gole e outro , deixava ecoar baixinho uma gostosa gargalhada. Ria de si mesma,
ria da vida que levava até ali, mas sentia-se , por um momento, talvez, feliz,
muito feliz .”
(Cícero Aarão)
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